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15 de nov. de 2013

"De olhos bem fechados" -- O dilema das aparências (I)




O texto abaixo conta detalhes do filme.



No início desta semana, Luiz Felipe Pondé resolveu falar sobre "Eyes Wide Shut" ("De olhos bem fechados"), filme de Stanley Kubrick ( http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/138366-kubrick-de-olhos-bem-abertos.shtml  ). Segundo Pondé, EWS é um filme sobre o desejo e sobre a sua perturbação na "vida ordenada". 


Contardo Calligaris, na estreia do filme (em 1999), também deu a sua interpretação. Para Calligaris, "o filme de Kubrick é um filme sobre sexo."  ( http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq02099915.htm ) 

Tenho uma interpretação diferente (mas não excludente) das duas mencionadas. Para mim, EWS é um filme sobre o dilema das aparências.

Concordo com Calligaris: a melhor tradução para "Eyes Wide Shut" é "De olhos arregaladamente fechados". Acho essa tradução muito boa porque, além de ser um poético oximoro (olhos arregalados e fechados), ela é a que mais se aproxima do excelente título original e a que melhor desnuda o conflito que mencionei. Explico.

O que chamo "dilema das aparências" é a dificuldade de quem, por comodidade, conveniência, covardia, hipocrisia, etc, goza e sofre uma vida inautêntica. É o conflito de quem obtém os proveitos da fachada, mas não suporta seu ônus. É a insurgência daquilo que em cada um de nós não tolera um mundo onde as aparências têm a impossível missão de traduzir toda a subjetividade. Onde as máscaras não devem ser somente parte do que somos, mas tudo o que somos. Onde os olhos, embora abertos, devem estar fechados para aqueles desejos perturbadores.

Em EWS, o médico Bill (Tom Cruise), a sua esposa Alice (Nicole Kidman) e outros personagens vivem esse dilema. Eles estão entediados com as máscaras – isto é, com as concessões e renúncias que fizeram em nome do casamento, da família, da sociedade –, mas parecem temer os desejos. Fecham os olhos para poder desejar (através de sonhos e fantasias) e abrem para poder reprimir e ignorar o que desejam.

Mas não se trata só de Bill, Alice e de outros personagens. O espectador também pode estar “cego”. Se não, me responda: quantos bailes de máscaras há em EWS? Se vc respondeu “um”, é porque manteve os olhos bem fechados para aquela confraternização natalina (há festa mais “familia"?), onde Bill depara-se com sua mulher flertando, com seu próprio desejo de trair e com a quase overdose de uma prostituta, que, no banheiro, fazia sexo com o dono da festa  (ele me pareceu tão bem casado!). 

Contudo, quem não viu as máscaras caírem naquela confraternização, não passa distraído quando Alice, para desfazer a imagem de esposa fiel, revela ao marido o desejo intenso que teve (e tem) por um Almirante que ela vira uma vez na vida.

Aqui, um parêntese: obviamente não é fácil para Bill admitir que a sua mulher (aquela mulher!) deseja outro homem. Nesse caso, não seria melhor manter os olhos fechados? Não seria mais são guardar a imagem idealizada da mulher com quem ele constituiu uma bela família?

Pode ser. Mas, se não for, ou seja, se a escolha for encarar o desejo de Alice, Bill precisará abrir os olhos para os seus próprios desejos e compreender como eles também perturbam a sua aparência de bom cidadão, bom médico, bom amigo, bom pai, bom marido (?). Até porque uma boa forma de perdoar é reconhecer-se ao alcance do mesmo erro, do mesmo pecado, da mesma queda. Fecha parêntese.

Depois que Alice revela seus desejos, Bill recebe um telefonema que o informa sobre a morte de um paciente e sai para consolar Marion Nathanson (Marie Richardson), a filha do falecido. Prestes a casar, Marion, no quarto onde seu pai está sendo velado, beija Bill e confessa que o ama. É outra máscara que cai. É outro cenário improvável para o que ali se passa. É mais um desejo que não se suporta.

Bill deixa o apartamento de Marion, perambula e encontra um grupo de jovens que o chama de "bicha" (será?). Seguindo sua caminhada, Bill -- depois de passar por um experiencia sem sexo com uma prostituta -- entra no Sonata Jazz, bar onde toca Nick Nightingale (Todd Field), seu colega na faculdade de Medicina que abandonou o curso para ser músico. 

Nightingale (atentemos para a simbologia do "rouxinol"), sendo aquele que desafiou a convenção "uma vez médico, sempre médico", oferece a Bill a senha para que ele possa acessar uma experiência extraordinária e transformadora -- uma festa de mascarados, um baile de fantasias, uma sociedade secreta, que seja. O que importa, por ora, é que para ir à festa é preciso coragem, fantasia, senha. E a senha não poderia ser mais simbólica: fidelio. 

A análise segue na próxima semana. 


2 comentários:

  1. Aetano,

    Um dia desses postei no blog do Cícero um texto do Pondé, que ele não gostou. De fato, acho q Pondé confunde a questão política com a questão moral, mas quem sou eu pra falar disso?!?!?!

    Acho que um debate entre Pondé e Cicero, e ainda com Calligaris, seria mto interessante, tanto pelo o que os separa, qto pelo o que os une.

    Mas vc Aetano, vc acha que o ser humano tem solução?

    Pergunto, pq foi o ponto que percebi discordante entre Ponde e Cicero, e entre Pond[é e Calligaris.

    Abrçs.

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  2. Nobile, nem sei como pedir desculpas, mas só publico seu comentário hoje pq passei esse tempo todo sem cuidar do meu blog. Peço desculpas mesmo.

    Quanto à sua pergunta, acho problemática essa coisa de querer encontrar uma solução para o ser humano, seja pq ela não existe, seja pq isso expressa uma não aceitação do humano, demasiado humano.

    Não creio que Cicero defenda que o ser humano tenha uma solução. Acho que ele - como progressista que é (eu tb o sou) - defende que é possível, sim, haver um melhoramento institucional. Só isso.

    Abraços, Nobile.

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