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21 de set. de 2019

Kant e a possibilidade de existência de Deus

"[...], afirmo que todas as tentativas de um uso meramente especulativo da razão na Teologia, são totalmente infecundas e, pela sua natureza íntima, nulas e vãs; que, porém, os princípios do seu uso natural de modo algum levam a uma Teologia, conseqüentemente, se não se põem como fundamento princípios morais ou não se os usa como fio condutor, não pode haver em parte alguma uma teologia da razão. Com efeito, todos os princípios sintéticos do entendimento concernem a um uso imanente, ao passo que o conhecimento de um ente supremo requer um uso transcendente dos mesmos, para o qual o nosso entendimento não está absolutamente equipado. Se a lei empiricamente válida de causalidade devesse conduzir ao ente originário, então este teria que copertencer à cadeia dos objetos da experiência; em tal caso, porém, seria por sua vez condicionado tal como todos os fenômenos. Se além disso, se permitisse saltar para além dos limites da experiência mediante a lei dinâmica da referência dos efeitos às suas causas, que conceito poderia nos ser proporcionado por um tal procedimento? Nem de longe um conceito de um ente supremo, pois a experiência jamais nos apresenta o maior de todos os seus efeitos possíveis (que deve dar testemunho da sua causa). Se apenas para não deixar lugar vazio em nossa razão nos for permitido preencher essa deficiência de determinação plena mediante uma simples idéia da perfeição suprema e da necessidade originária, então isso pode na verdade ser concedido com um favor, mas não exigido a partir do direito de uma prova irresistível. [...].
Disso resulta claro que as questões transcendentais permitem só respostas transcendentais, isto é, a partir de puros conceitos a priori sem a mínima interferência empírica. O problema é aqui evidentemente sintético, e requer uma ampliação do nosso conhecimento para além de todos os limites da experiência, a saber, até a existência de UM ENTE QUE DEVE CORRESPONDER À NOSSA SIMPLES IDÉIA, À QUAL NENHUMA EXPERIÊNCIA PODE IGUALAR-SE. Ora, de acordo com as nossas demonstrações precedentes, TODO CONHECIMENTO SINTÉTICO A PRIORI É POSSÍVEL SÓ ENQUANTO EXPRESSA AS CONDIÇÕES FORMAIS DE UMA EXPERIÊNCIA POSSÍVEL, e todos os princípios possuem por isso apenas validade imanente, isto é, referem-se unicamente a objetos do conhecimento empírico ou fenômenos. Logo, tampouco se consegue algum resultado mediante o procedimento transcendental com vistas à teologia de uma razão meramente especulativa.”


 
(Kant, I. "Crítica da razão pura". Tradução de Valério Roden e Udo Baldur Moosburger. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983, pp. 316/317. Grifei).