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20 de abr. de 2013

O cacoete está de volta





Eu disse que a presteza da pena é útil; e é certo que, quanto menos tempo decorrer entre o delito e a pena, tanto mais os espíritos ficarão compenetrados da ideia de que não há crimes sem castigo; tanto mais se habituarão a considerar o crime como a causa da qual o castigo é o efeito necessário e inseparável. (Cesare Beccaria, "Dos delitos e das penas")





Em 1993, devido à repercussão do caso Daniela Perez, mais de um milhão de assinaturas foram colhidas para alterar a lei de crimes hediondos. Pretendia-se incluir na lei o crime de homicídio qualificado, delito do qual a referida atriz tinha sido vítima. 

Em 1994 a lei foi alterada, tornou-se mais severa, mas não se tem notícia de que tenha contribuído para a diminuição da sensação de insegurança e impunidade. Apesar dessa constatação, sempre que um crime provoca comoção nacional, achamos que a melhor resposta a dar é agravar a respectiva pena ou as condições de seu cumprimento. 

Pois bem, o cacoete está de volta. Legitimamente revoltados com um assassinato brutal cometido por um adolescente, passamos a pedir a redução da maioridade penal, na esperança de que, diante da ameaça de uma punição mais severa, a delinquência juvenil ceda. 

Não sou contra a diminuição da maioridade penal por princípio. Não acho o assunto indiscutível. Mas desconfio de quem pede a alteração da idade de responsabilidade criminal sem dizer nada sobre a adoção de mecanismos que tornem mais efetiva a aplicação da pretendida redução. Ora, sem instrumentos que a tornem mais eficaz, de que adianta implementar tal medida?

Quem quer agravar as leis sem se perguntar por que leis anteriormente agravadas não contribuíram para o aumento da sensação de segurança ou está sendo oportunista, ou está dando vazão a uma revolta inútil. Com efeito, há muito se sabe que a violência não se combate com o mero endurecimento das penas, mas sim com a certeza da punição. Essa trivialidade, anunciada séculos atrás por Cesare Beccaria, parece ainda não ter chegado aos nossos ouvidos. Ou seja, o futuro ainda nos espera... no século XVIII.






6 comentários:

  1. Caro Aetano,
    Reproduzo aqui o que já deixei registrado Twitter:
    Uma das qualidades do inesquecível colunista Carlos Castello Branco era a de falar do presente,ligando-o ao passado e ao futuro.

    Infelizmente este casamento temporal pouco comparece, hoje em dia, nas análises políticas e econômicas. A maioria no rastro do calor
    do momento,apegada demasiadamente ao conjuntural,sem o distanciamento necessário a boa pesagem dos fatos.

    Por isso, fico feliz de recomendar a leitura de 'O cacoete está de volta' .
    Abraços
    Clara Favilla

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  2. Querida Clara Favilla,

    Muitíssimo obrigado. Receber elogio da inteligência de uma jornalista renomada é motivo de alegria e lisonja para mim. Sou-lhe grato. Beijos.

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  3. viola

    trabalho diariamente com direito penal
    e confesso:
    não sei para que serve a pena

    ainda sim escrevo, escrevo, escrevo
    e nada me parece tão inútil
    quanto a pena

    e toda teoria do delito
    e toda toga trivial

    de repente
    meus rabiscos no papel
    condenam o autor
    sua cogitação, seus atos preparatórios

    a tinta vermelha, a fraude
    todas as falanges em coro
    e o espaço amplo do anormal
    nessa jaula-latrina

    tudo me parece tão inútil:
    o tempo do crime
    o local violento
    o direito do autor
    sua consciência
    sua voluntariedade

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  4. Olá, Aetano! Antes de tudo, parabéns pelo blog!
    Quanto ao tema em questão, você diz:
    "Com efeito, há muito se sabe que a violência não se combate com o mero endurecimento das penas, mas sim com a certeza da punição."

    Parece-me que a redução maioridade penal não endurece as penas, mas justamente procura garantir a certeza da punição. Os menores envolvidos em crimes bárbaros recentes não eram primários, mas reincidentes e pareciam contar, dado o seu comportamento, justamente com a certeza da impunidade.
    Dito isso, não sou leviano em afirmar que a simples redução da maioridade penal traria maior sensação de segurança. Parece-me que não. Seriam necessárias várias outras medidas, mas sou favorável, como parece ser a sua posição também, a que se debata o tema com maior profundidade.
    Flavio.

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  5. Caro Flávio,

    Agradeço o seu comentário a respeito do blog.

    No tocante ao tema, imaginemos que não existisse limite de idade para a responsabilização penal. Vc acha que os criminosos - desfeita a distinção entre menores e adultos - estariam sendo mais punidos? Tomemos o grupo dos adultos. Os nossos sistemas policial, jurídico e penitenciário vêm dando uma boa resposta a esse grupo? Veja, se sim, está resolvida a questão: transformemos todos em "adultos", responsáveis, e aí todos sofrerão com as punições que - para quem responde "sim" à pergunta que formulei -, serão certas, ligeiras e duras.

    Mas se a resposta àquela questão for "não" - como eu entendo que é -, então de que adiantará tratar a todos como adultos se os atuais adultos não são punidos como deveriam ser? Essa é a razão pela qual eu entendo que, da forma como as coisas estão, essa medida isolada é apenas um endurecimento das condições de cumprimento da pena, ou seja, uma medida inútil - a meu ver -, se não vier acompanhada da melhora dos índices de solução de casos pela polícia (que é baixíssimo), de uma maior agilidade no judiciário e de um cumprimento de pena em um sistema prisional que tenha racionalidade e não que seja um mero campo de concentração.

    O fato é que nós temos problemas estruturais gravíssimos e que nunca foram enfrentados.

    Enfim, acho que vc captou a minha preocupação: tudo bem, discutamos a redução da maioridade penal, mas vamos ficar só nisso?

    Aetano

    P.S. Se puder, dê uma lida na revista Veja dessa semana (a matéria de capa). Legítima e necessária a publicação do sofrimento das vítimas, mas elas não pararão de sofrer - e outras juntar-se-ão a elas -, enquanto não travarmos, como vc disse, uma discussão profunda, coisa que a matéria (de capa, repita-se) infelizmente não faz.

    Abraço

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